segunda-feira, 25 de julho de 2011

Descobertas

     Vitória arregalou os olhos, não cabendo em si de contentamento. E se coubesse, a alegria nem caberia na alegria e subiria faceira, indo fazer rir as nuvens.
     O jardim da casa nova era uma novidade nunca vista antes por ela. O apartamento pequeno, com vista para outros prédios, a fizera pensar que pessoas nascessem em blocos, flores só crescessem em vasos, pássaros vivessem apenas em gaiolas, gatos e cachorros morassem em sofás e tapetes e ... eventualmente em sua cama.
     Na pracinha onde costumava brincar, as flores viviam em grandes vasos de cimento. Agora, com as mãozinhas na boca de puro espanto, descobria que elas também nasciam do chão, direto da terra e cercada pela grama verdinha e fofa.
     Os pais, zelosos com a saúde da filha, resolveram comprar uma casa, pois queriam que ela tivesse contato com a natureza. Vitória apresentara sintomas alérgicos e o ar fresco iria lhe fazer bem - recomendações médicas - que trataram de seguir.
     Dando pulinhos, a menina explorou o terreno, gritando o tempo todo "olha! olha!". Com os pezinhos descalços, correu pela grama, tocando nas plantas e exclamando para os pais "como o pátio novo tinha um cheirinho bom".
     Para completar a alegria da filha, os pais montaram uma pequena barraca no jardim, para que Vitória pudesse brincar e se proteger do sol. Cansada com tantas novidades, a menina deitou e dormiu em seguida, com o rostinho corado e feliz. Então, sentiu algo subindo pelo braço, causando-lhe cócegas. Abriu os olhos e viu uma joaninha. A coisa mais linda que já vira. Que bichinho seria aquele? Não sentiu medinho. Amou a criaturinha. Colocou-a nas mãos. Alisou. Contou-lhe historinhas. Conversou bastante com a pequenina visitante, revelando-lhe todas as lembranças que seus três anos de memória foram capazes. Exausta, adormeceu, esquecendo a joaninha, que ficou passeando dentro da barraca.
     Quando acordou, já estava de pijama, deitada em sua cama. Era uma daquelas mágicas que amava mais que tudo. Quando dormia estava num lugar, quando acordava estava em outro. E os pais sempre por perto.
No dia seguinte, foi para o jardim brincar. Esperou pela joaninha, que naquele dia não apareceu. Contou para a mãe sobre o bichinho que parecia uma bolinha. A mãe riu muito e explicou para Vitória tudo o que sabia sobre joaninhas.
     Os dias correram. A menina cresceu. E como é próprio da vida, os momentos vividos vão ficando para trás, sem nunca terem saído de dentro.
Tornou-se uma linda jovem e bióloga dedicada. Adquiriu um gosto inexplicável por joaninhas. Não sabe dizer a origem de sua afeição, mas sempre que encontra algum objeto com formato do bichinho, fica admirando, fascinada. Já comprou adesivos para seu notebook, mouse, pen drive, agendas, estojos, cadernos e vários utensílios com o tema. Seu atual sonho de consumo é um celular japonês, com designer imitando uma joaninha.
     E quando, por curiosidade, perguntam a ela o motivo desta sua preferência, ela encolhe os ombros e responde:
     - Sei lá. Gosto é gosto!
Rosa Mattos

4 comentários:

  1. Olá Rosa,
    Assim como já haviamos conversado antes, quero dizer que gostei muito desse conto. E a forma como você escreve fazendo o leitor entrar na história. É maravilhoso poder visualizar essa inocência que a criança tem e que quase sempre passa despercebida pelos adultos. Pude me recordar de alguns fatos da minha infância e de outros que marcaram e que ajudaram a formar características em mim. Assim como o fascínio pelas joaninhas mesmo depois de a menina ter virado mulher, eu também tenho os meus fascínios. Presentes desde os tempos de guri. kkk

    bjos,,, Maravilhoso texto.
    Carpe Diem!
    Kleber J G Martins

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  2. Kleber, fico tão contente que tenha gostado do conto. É estimulante para quem escreve saber o que o leitor sentiu e para onde foi levado, ao ler. Acho muito gratificante produzir um texto capaz de transportar aquele que lê para outro universo, tecendo paralelos, fazendo analogias com outros fatos, abrindo portinhas fechadas...enfim, estou em estado de graça com este teu comentário. rs

    Valeu mesmo/! super/obrigadaaa!!!!

    AHH, essa letra está ótima pra ler. \o/

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  3. Bah!!! Rosa, eu estava lendo agora... "O encontro marcado" de Fernando Sabino e logo no primeiro capitulo entre as primeiras palavras me deparei com o seguinte:

    "A CASA tinha três quartos, duas salas, banheiro, copa, cozinha, quarto
    de empregada, porão, varanda e quintal.
    Que significava o quintal para Eduardo?
    Significava chão remexido com pauzinho, caco de vidro
    desenterrado, de onde teria vindo? minhoca partida em duas ainda
    mexendo, a existência sempre possível de um tesouro, poças d’água
    barrenta na época das chuvas, barquinho de papel, uma formiga
    dentro, a fila de formigas que ele seguia para ver onde elas iam. Iam ao
    formigueiro. Um pé de manga-sapatinho, pé de manga-coração-de-boi.
    Fruta-de-conde, goiaba, gabiroba. Galinheiro. A galinha branca era sua,
    atendia pelo nome:
    — Eduarda!
    Ela se abaixava, deixava-se pegar. Às vezes punha um ovo.
    Quando Eduardo ia para o Grupo, deixava-a debaixo da bacia. Um dia o
    pai lhe disse que aquilo era maldade: gostaria que fizessem o mesmo
    com você? As galinhas também sofrem. Um domingo encontrou
    Eduarda na mesa do almoço, pernas para o ar, assada. Eduarda foi
    comida entre lágrimas. É, sofrem, mas todo mundo come e ainda acha
    bom."
    Quando li foi inevitável... me lembrei do seu conto... a descrição sobre Eduardo e o seu ambiente, onde brincava, o quintal.

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  4. Então...acho fantástico quando uma leitura nos remete a outra, formando elos um tanto lúdicos.

    grata! :)

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